domingo, 30 de junho de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...

RECORDAÇÕES DE UM SÃO JOÃO NA ROÇA

José Maria Almeida Marques

Há anos-luz atrás, num sertão distante
quando ela me deu meu primeiro beijo
e aspirou assim o ar da minha boca
eu fiquei com medo e até pensando
que ela estava sugando minha alma.

Fazia frio, mas o frio que fazia
é porque era noite de São João
porém no céu víamos a Via-Láctea
e nossos corpos estavam tão quentes
como as fogueiras ao nosso redor.

Senti que ela estava me ferrando
como vaqueiros fazem com garrotes
dizendo, assim, esse cara é meu
ela com sua língua suave e doce
na minha boca com gosto de quentão.

A gente não falava quase nada
apenas arfávamos e nos tocávamos
como se fôssemos o centro da galáxia
únicos pulsares e quasares no universo
inaugurando o grande big bang inicial.

Ela exalava o cheiro mais melífluo
como nunca houvera sentido antes
eu então intuindo, naquele momento
que era tudo muito mágico e bonito
a explicação para o veloz ato de viver.

Até recordei, na hora, com raiva
de uns bestas de uns padres
que me disseram que aquilo
que estávamos fazendo imensamente
era uma coisa muito feia e suja.

Como pode, meu Deus, alguém dizer
que uma coisa daquelas não prestava
se era tudo tão bom, limpo e puro
que a gente chegava a pensar, até
que éramos alados e podíamos avoar?

Pois bem, naquela clara noite sertaneja
nós abraçados e encostados ali, no muro
do Grupo Escolar Telésforo Siqueira
nos amamos como nunca, nunca mais
estrelas chovendo sobre nossas cabeças.

Lembro ainda que ela me chamou amor
e eu lhe chamei de minha morena
atinando com o coração batendo forte
que aquele era o único legado bom
que os deuses haviam nos deixado.

Depois, ela me arrastou pelo braço
me levou para o salão do baile, iluminado
e dançamos 17 Légua e Meia, de Gonzaga
as pernas bambas e as almas em festa
nós dois, príncipe e princesa do reino.

Eu me sentindo o cara mais poderoso
da face da terra e gritando Shazam
eu e aquela moça linda e predadora
numa noite longínqua, século passado
sob o branco luar do Sertão do Araripe.

Do livro Concebidos com pecado


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sábado, 29 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...

SÃO PEDRO, O FUNDADOR DA IGREJA CATÓLICA

São Pedro, o Apóstolo e o pescador do lago de Genezareth, cativa seus devotos pela história pessoal. Homem de origem humilde, ele foi Apóstolo de Cristo e depois encarregado de fundar a Igreja Católica, tendo sido seu primeiro Papa.

Considerado o protetor das viúvas e dos pescadores, São Pedro é festejado no dia 29 de junho, com a realização de grandes procissões marítimas em várias cidades do Brasil. Em terra, os fogos e o pau-de-sebo são as principais atrações de sua festa.

Depois de sua morte, São Pedro, segundo a tradição católica, foi nomeado chaveiro do céu. Assim, para entrar no paraíso, é necessário que o santo abra suas portas. Também lhe é atribuída a responsabilidade de fazer chover. Quando começa a trovejar, e as crianças choram com medo, é costume acalmá-las, dizendo: "É a barriga de São Pedro que está roncando" ou "ele está mudando os móveis de lugar".

No dia de São Pedro, todos os que receberam seu nome devem acender fogueiras na porta de suas casas. Além disso, se alguém amarrar uma fita no braço de alguém chamado Pedro, ele tem a obrigação de dar um presente ou pagar uma bebida àquele que o amarrou, em homenagem ao santo.


ACALANTO DE SÃO PEDRO

Acalanto registrado em Cunha (São Paulo):

Acordei de madrugada,
fui varrê a Conceição.
Encontrei Nossa Senhora
com dois livrinhos na mão.

Eu pedi um pra ela,
ela me disse que não;
eu tornei a lhe pedir,
ela me deu um cordão.

Numa ponta tinha São Pedro,
na outra tinha São João,
no meio tinha um letreiro
da Virgem da Conceição.


A FESTA DE SÃO PEDRO

Em homenagem ao santo, acendem-se fogueiras, erguem-se mastros com sua bandeira e queimam-se fogos; porém, a noite de 29 de junho não é tão empolgante quanto a animação verificada na festa de São João.

Também se fazem procissões terrestres, organizadas pelas viúvas, e fluviais, pois, como vimos, São Pedro é o protetor dos pescadores e das viúvas. Em várias regiões do Brasil, a brincadeira mais comum na festa é a do pau-de-sebo.

Embora São Paulo também seja homenageado em 29 de junho, ele não é figura de destaque nas 



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quinta-feira, 27 de junho de 2013

SER VOLUNTÁRIA...


Participar da Copa das Confederações valeu muito, podem acreditar.

Foi uma experiência única e muito interessante para a minha vida.

Não me importo com as críticas que, por acaso, tenham me feito por isso. Todo mundo é livre para pensar e dizer o que quiser, desde que me respeitem e à minha vontade. 

Infelizmente cancelei a minha inscrição para a Copa de 2014 por motivos de saúde, já que detonei meu calcanhar esquerdo, que já não andava bem, por ter ficado muito tempo em pé. 

Daqui a um ano, mais velha, poderia ser pior, então decidi parar por aqui.

Em 2014 irei à Arena Pernambuco para assistir, pelo menos, a um jogo. Nesse dia sentirei saudades da minha participação e das pessoas com as quais convivi e conheci.

Aos que me incentivaram, meu carinho e meus agradecimentos!

domingo, 23 de junho de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...

QUADRILHA

Dalinha Catunda

Maria bonita
vestida de chita
dançava São João.
Em meio a quadrilha,
seguia a trilha
do seu coração.
Coração aventureiro
gostava de Pedro,
e queria João.
João tava difícil,
não foi sacrifício
pegar noutra mão
Viva S. Pedro!
Viva S. João!
Maria era bonita!
E com laço de fita
virou perdição.
Com cabelos trançados,
e seu requebrado,
chamava atenção.
Dançando faceira
esqueceu-se de Pedro,
e também de João.
Nos braços de Antônio
perdeu-se nos sonhos,
ardeu-se em paixão.
Foi aí que Maria
perdeu sua fita
rolando no chão.
Maria aflita
sem laço de fita
engrossou a cintura
e fugiu do sertão


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sábado, 22 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...

INFÂNCIA

Goimar Dantas

Faz tempo.
Era noite de São João.
A fogueira feita pelas crianças da rua formava lindas labaredas.
Naquela época, eu ainda não havia lido livro algum.
Tampouco sabia sobre a simbologia ancestral e mítica do fogo.
Estávamos, meninos e meninas, em círculo.
E eu também nada entendia sobre o significado transcendente dessa representação geométrica e sobre o grande poder concentrado em áreas esféricas: invocações tribais, ritos iniciáticos, cerimônias sagradas...
Aquele mundo multicor e singelo em que eu vivia meus primeiros anos também desconhecia de todo a filosofia oriental.
Yin e Yang eram palavras que nada me diziam.
Nada representavam no meu universo pleno de brincadeiras pueris.
A divisão entre o masculino e o feminino, para mim, naquela noite de São João, era absolutamente simplista: bonecas para as meninas e carrinhos para os meninos.
Só.
É verdade, no entanto, que já me intrigava a capacidade masculina de, rapidamente, aprender a jogar pião ou bola de gude.
De resto, quase empatávamos, ressaltando que ninguém subia nos pés de seringueira com maior rapidez e habilidade do que eu.
Lá estava a fogueira.
Lá estavam futuros homens e mulheres formando um círculo de igualdade incontestável.
Não havia intrigas, guerras sexistas...
Só o calor do fogo e o ritmo doce e inquebrantável das cantigas infantis...
Eu não distinguia signos, psicanálise, religião.
Era apenas feliz.
E sabia.


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segunda-feira, 17 de junho de 2013

VOLUNTÁRIA DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES

Treinamento - Arena Pernambuco

Arena Pernambuco

Bandeira do fair play da Fifa - Arena Pernambuco

Minha turma: STS - Serviços ao Espectador - Arena Pernambuco

Eu e minha amiga Luciana Pires - Arena Pernambuco


domingo, 16 de junho de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...


NOTURNO DA PARADA AMORIM

Manuel Bandeira

O violoncelista está a meio do Concerto de Schumann
Subitamente o coronel ficou transportado e começou
a gritar - " Je vois de anges! Je vois des anges!"
- E deixou-se
escorregar sentado pela escada
abaixo.

O telefone tilintou.
Alguém chamava? ... Alguém pedia socorro?...
Mas do outro lado não vinha senão o rumor de um
pranto desesperado!...

(Eram três horas.
Todas as agências postais estavam fechadas.
Dentro da noite a voz do coronel continuava a gritar:
- "Je vois des anges! Je vois de anges!")

Manuel Bandeira, Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora S.A, Rio de Janeiro, 1980



sábado, 15 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...

FUTEBOL DE DOIDO

Os loucos resolveram jogar uma partida de futebol imaginária. O gramado era real, mas a bola, as camisas, o gol e o resto era tudo fruto da fértil imaginação dos pacientes.

O médico ao ver aqueles malucos pulando e gritando como se estivessem jogando bola de verdade, apesar da estranheza ele logo ponderou:

- Ser maluco tem lá as suas vantagens. Poucas vezes eu vi pessoas tão felizes com tão pouco. Ele virou-se para o outro lado e viu que, um paciente não estava participando daquilo. O homem estava sentado num banco e dali, calmamente, ele observava tudo que acontecia dentro do campo. O médico resolveu falar com ele.

- Parabéns! Meu rapaz. Eu fiquei muito feliz de ver que você foi o único que demonstrou estar de posse das suas faculdades mentais e não entrou nessa brincadeira de malucos. Diga-me! Porque você não quis jogar futebol com eles... Enquanto o médico ainda falava o paciente gritou:

- Úuuuuuu!...Na trave!...Doutor dá licença que eu vou pegar a bola que caiu lá no mato. Já tô indo galera!...Já tô indo!...O gandula maluco foi rapidinho buscar a Jabulani.

Edilson Rodrigues Silva




domingo, 9 de junho de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...

Rua da Areia – Foto: Reginaldo Marinho

RUA DA AREIA*

Lau Siqueira

um dia o mundo
foi embora e nunca mais
o soul deitou o manto da
noite

as manhãs nasceram
todas no mesmo horizonte

nem dia
nem noite

tudo era luz
e sombra

até que o esquecimento
tomou a velha cidade
já em ruínas

...e os colibris
e os vampiros beberam
a última taça

*Rua da Areia, é uma rua de João Pessoa, situada no Bairro do Varadouro, berço da cidade.



sábado, 8 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...

CARTA DE NAVEGAÇÃO DE UM CASO QUE ACABA

Carlos Heitor Cony

É preciso fazer um histórico, porque você sempre esquece a cronologia dos fatos, talvez por dar pouca importância ao que acontece comigo. Sejam quais tenham sido meus erros, já sofri tanto e é claro que sofri por opção. Por isso passei do estado de graça para o choque da revelação brutal: você estava casado outra vez.

Tentei me adaptar à nova situação e o consegui, sangrando. Depois você viajou, me escreveu uma carta quando fazia o percurso Havana-Praga, descreveu o avião, a noite sobre o oceano e falou que me amava -acho que foi a única vez que você teve a coragem de admitir que também me amava. No seu regresso, nos trancamos em Teresópolis, quatro dias e quatro noites de chuva, nunca ninguém foi de ninguém como você foi meu. Eu estava salva.

Aí soube que você já se casara com outra. Pensava mais nela do que em você. Vi-a na rua, dentro do seu carro. Eu vivia apavorada de que alguém viesse a saber, porque lutei para impô-lo, você foi a causa do rompimento com meu pai. Tinha um álibi e o perdi: você era apenas um homem desquitado. Sustentei a mentira para evitar uma situação que era insustentável.

Um dia, encontrei-o com sua mulher na rua. Uma mulher enganada, mas segura. Nosso amor transformou-se no apartamento na Barra da Tijuca que você alugava por mês. Até aquele chalé de Friburgo, onde eu era a sua mulher dois dias por semana, tudo diluiu-se, comecei a jogar errado, como se não tivesse mais nada a perder. Comecei a perturbar a sua tranqüilidade, a paz do seu charuto fumado todas as noites. Tentei viver a minha vida antiga, procurar amigos, sair.

Uma noite, desesperada para ficar alguns minutos com você, fiz aquela besteira e fui ao Leme. Na minha alucinação, nem reparei que você estava com outra moça. Foi o choque maior de todos. Era mais uma estranha em sua vida. O investimento novo que você havia escolhido e que eu não percebera. Nem mil anos de análise poderão me curar daquele impacto. Mas no dia seguinte você abriu o jogo. Confessando que se apaixonara por outra, estava agindo decentemente.

E agora não vejo mais sua mulher nas ruas, mas essa moça que é tão mais jovem que você, tão da minha idade. Vejo-a em todas as esquinas. Via-a dentro do seu carro, em frente ao mar. Nos sábados, a humilhação de saber que você está no mesmo apartamento, mas com outra. Talvez a mesma rotina, o café da manhã, o seu suco de laranja bem gelado, o charuto cubano depois do jantar.

Sozinha, às 8 horas me tranco no quarto para chorar em paz a minha noite vazia. Tentei reagir, sair com amigos, mas não era boa companhia para eles, carregava comigo meu pavor de ver o seu carro à minha frente, na porta de um restaurante, com gente estranha sentada no meu lugar.

Tentei me desligar de você. Aceitaria os fatos: seria sua amante e pronto. De repente, a situação em minha casa estourou pra valer. Minhas noites passadas fora, seu nome dito abertamente na hora das refeições. Mandaram que eu vivesse a minha vida -mas longe deles. Aluguei um quarto e procurei uma oportunidade para lhe comunicar. Queria apenas o seu apoio para sustentar a barra de morar sozinha, em casa de estranhos.

Numa sexta-feira, consegui pegá-lo na saída do escritório. Falei o que devia, sem emoção. Depois fomos jantar, você fumou o seu precioso charuto, andando de um lado para o outro, pensando em voz alta. Abracei muito você, mas não era gratidão. A idéia de um apartamento era demais. Eu passava a ser a amante oficializada, a terceira em importância e necessidade. Aquela que não tem o encanto da namorada com que se janta, que não ganha os presentes de ocasião porque apresenta todos os meses a conta da luz e do condomínio. Pensei nisso tudo, mas assim mesmo não pude dormir aquela noite. Era alegria, alegria bruta, selvagem.

Seguiu-se o sábado mais importante da minha vida. Saímos para procurar apartamento. Falei de igual para igual com todos. Tinha de conseguir o que os outros conseguem, embora o meu passo fosse, em termos de vida, um passo para baixo. Na verdade, eu seria apenas a amante-quarto-e-sala-conjugado.

Depois falei com minha mãe. Fizemos um levantamento do que restava do meu antigo enxoval de noiva. As roupas de dormir estavam reduzidas. Usei-as com você, em quartos de hotéis. Mas sempre restavam algumas peças que eu poderia usar nas noites em que você aparecesse.

Quando você me mostrou a posição da cama no quarto, tive vontade de lhe abraçar, mas você estava muito sério. Jurei que, com a tranqüilidade que ia adquirir, você se surpreenderia com uma maturidade que não conhece -nem pode conhecer porque nunca tive oportunidade de mostrá-la.

Mas houve novamente um sábado em que quis você. Joguei errado outra vez e atrapalhei o seu programa. Finquei o pé, fiz malcriação, chorei. Ela chegou. Perguntou o que estava havendo. Você disse tudo quando respondeu: "Nada".

Nada. Deste meu nada, receba este amontoado de pranto que foi o meu amor. E por toda a vida, toma a minha vida.

Texto extraído do jornal "Folha de São Paulo", edição de 11/10/2002.



terça-feira, 4 de junho de 2013

Poemeto de amor ao próximo



















Poemeto de amor ao próximo

Me deixa em paz. 
Deixe o meu, o dele, o dos outros em paz!
Qualé rapaz, o que é que você tem com isso?
Por que lhe incomoda o tamanho da minha saia?
Se eu sou índia, se sou negra ou branca, 
se eu como com a mão ou com a colher,
se cadeirante, nordestino, dissonante, 
se eu gosto de homem ou de mulher, 
se eu não sou como você quer?
Não sei por que lhe aborrece
a liberdade amorosa dos seres ao seu redor.
Não sei por que lhe ofende mais 
uma pessoa amada do que uma pessoa armada!?
Por que lhe insulta mais
quem de verdade ama do que quem lhe engana?
Dizem que vemos o que somos, por isso é bom que se investigue: 
o que é que há por trás do seu espanto, 
do seu escândalo, do seu incômodo
em ver o romance ardente como o de todo mundo, 
nada demais, só que entre seres iguais?
Cada um sabe o que faz 
com seus membros,
proeminências,
seus orifícios,
seus desejos, 
seus interstícios.
Cada um sabe o que faz,
me deixe em paz.
Plante a paz. 
Esta guerra que não se denomina
mas que mata tantos humanos, estes inteligentes animais,
é um verdadeiro terror urbano e ninguém aguenta mais.
“Conhece-te a ti mesmo”
este continua sendo o segredo que não nos trai.
Então, ouça o meu conselho
deixe que o sexo alheio seja assunto de cada eu,
e, pelo amor de deus, 
vá cuidar do seu.

Elisa Lucinda, quinze de maioutono lindo

Fonte: https://www.facebook.com/elisalucinda/posts/457714734312963

domingo, 2 de junho de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...

O VAGALUME

Pedro Paulo Paulino

Quando menino, eu tinha por costume,
Nas noites invernosas, no quintal,
Correr atrás e, sem noção do mal,
Prender numa caixinha um vagalume.

Prendia-o. E guardava com ciúme
Aquele brinquedinho natural,
Privando-o, nesse cárcere brutal,
De colorir a noite com seu lume.

Agora, quando um vagalume eu vejo
Livre, dentro da noite o seu lampejo
Me faz sentir no peito um pesadelo:


Não por remorso à falta cometida,
Mas por pensar que há muito está perdida
Minha santa inocência de prendê-lo.


sábado, 1 de junho de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...


DE COMO JUVENAL SE TORNOU UM FENÔMENO

Carlos Bozzo Junior

RESUMO Naná Vasconcelos, 68, pernambucano, negro, oito vezes melhor percussionista do mundo e vencedor de oito Grammy, viveu mais de 30 anos fora do Brasil. Seus fãs vão dos confrades na música ao cineasta italiano Bernardo Bertolucci. Considerado um fenômeno, Naná diz que a fama só importa em "cabeça de camarão".

Ninguém o chama de Juvenal, que oficialmente antecede o "de Holanda Vasconcelos".

O guitarrista Pat Metheny o chama de Doctor, e o percussionista indiano Trilok Gurtu, de Paxá. Por oito vezes, foi chamado pela revista "DownBeat" de o "melhor percussionista do mundo", em votação promovida entre críticos pela publicação norte-americana dedicada ao jazz. O cineasta italiano Bernardo Bertolucci não admite que o chamem de músico, mas sim de "A Música". Quando alguém o chama de "Mestre", rebate, humildemente: "Mestre está no céu".

O apelido pelo qual ele decidiu ser chamado foi dado pela mãe, Petronila, quando ainda moravam juntos no bairro Sítio Novo, em Olinda. "Ela foi encurtando de Juvenár' até chegar em Naná."

O pai de Naná Vasconcelos, Pierre, tocava manola --violão tenor de quatro cordas, amplificado-- na boate da sede do bloco Batutas de São José, no Recife. Aos 11 anos, o filho já queria ser percussionista. "Aperreei tanto batendo nas panelas e caçarolas de casa que ele me deu um bongô, umas maracas e um afoxé", recorda o músico, que procurou por trabalho apenas na primeira vez. Depois dela, diz ter sido sempre convidado.

Acatou o pai e, aos 12 anos, obteve autorização do Juizado de Menores para tocar na banda, com a condição de nunca descer do palco. "Tocávamos 45 minutos e parávamos 15, para o pessoal namorar. Eu ficava lá em cima, só olhando", conta Naná, que segue obedecendo à regra imposta pelo pai desde o primeiro dia de trabalho: "O que se via lá se deixava por lá".

O baile foi uma grande escola para o ritmista --nos anos 50 não se usava dizer percussionista--, que terminou o ginásio e saiu tocando para as pessoas dançarem, ao som de muito bolero, mambo e chá-chá-chá. Nunca frequentou escolas de música e, autodidata também para as escolhas literárias, lembra ter lido livros de Hermann Hesse e Carlos Castaneda.

Após a morte do pai, deixou a boate da sede do bloco. Em 1957, entrou para a Banda Municipal de Recife no lugar dele, trabalhando como arquivista e distribuindo partituras para os músicos, mas sem tocar. "Entendia que ritmista vinha depois do baterista, e isso me incomodava." Comprou uma bateria à prestação e começou a estudar, sem professor, de manhã, no camarim do teatro onde, na parte da tarde, a banda ensaiava.

BAMBU Música ele ouvia basicamente pelo rádio --sintonizado por uma antena sustentada por um bambu no telhado da casa--, e jazz era o que escutava na emissora A Voz da América. Eis que surgiu a bossa nova e, com ela, "Adriana", canção de Roberto Menescal e Lula Freire composta no embalo de "Take Five", de Dave Brubeck. O tema era novidade, um jazz diferente do tradicional, mas soava familiar ao garoto que adaptava para o samba o que ouvia pelo rádio, além de imitar o solo do baterista de Brubeck, Joe Morello.

Quando surgiu o primeiro festival de bossa nova de Pernambuco, Naná foi a um dos dois lugares onde, no Recife, os músicos se congregavam para oferecer e negociar seus serviços --os tradicionais "pontos"-- e ali, na rua do Imperador, foi informado de que precisavam de um baterista que tocasse "Adriana" e soubesse solar. Naná, 17, mostrou que sabia e terminou 1961 com os colegas tendo-o na conta de melhor baterista do ano.

Nos bastidores de um dos muitos programas de TV em que se apresentaria naquela época, Naná e outros três músicos conheceram um bailarino brasileiro que radicava em Portugal. No improviso, nasceu o Quarteto Yansã, arrebanhado com a finalidade de tentar a sorte em Lisboa, primeiro destino internacional do jovem músico.

A trupe, porém, deu com a cara na porta --o bailarino, que prometera ajuda, não estava na cidade. Rodavam a esmo por Lisboa quando, de repente, Naná ouviu: "Negão, o que você está fazendo aqui?". Era o cantor paulistano Agostinho dos Santos, o "Rouxinol", que havia gravado a trilha do filme "Orfeu do Carnaval".

Santos, que Naná conhecia de tocar na noite e na TV, também estava na pior: tinha enganado o comandante do navio no qual cantava e deu no pé, dizendo que precisava do passaporte (retido até o fim do cruzeiro) para ir comprar alguns dólares em terra.

Sem dólar nem trabalho, o cantor se uniu ao grupo. Juntos, fizeram vários shows, em que a presença de celebridades como o jogador Eusébio, do Benfica, era uma constante. Aproveitaram o reconhecimento e gravaram o disco "Agostinho dos Santos".

De volta ao Recife, em 1967, Naná foi à casa do compositor Capiba. Queria convencê-lo de que era o único músico capaz de tocar o maracatu por ele composto para representar Pernambuco no festival O Brasil Canta No Rio.

O evento não pagava transporte, alimentação nem hospedagem. Capiba indagou: "Meu filho, você conhece alguém lá no Rio de Janeiro?" "Conheeeeço", mentiu. "Tem lugar para ficar?" "Teeenho", rementiu. Ganhou do compositor as passagens de ida e volta. De madrugada, saindo para pegar o ônibus, ouviu da mãe a profecia: "Você não volta mais. Deus o abençoe", conta, os olhos marejados.
A hospedagem ele também descolou na esperteza. Aproveitando a tumultuada chegada ao hotel dos seis integrantes cegos do grupo Titulares do Ritmo, se fez passar por membro do "entourage" e conseguiu um quarto.

A música de Capiba não ganhou o festival, mas Naná ganhou um amigo e um trabalho. Pelas mãos de Geraldo Azevedo foi a uma festa na casa de Milton Nascimento e, tocando em suas panelas, encantou-o. Foi convidado para gravar com o mineiro. A pegada percussiva africana de "Sentinela" é dele.

Após participar de grupos de MPB como O Som Imaginário, A Tribo e Sagrada Família, foi convidado pelo saxofonista argentino Gato Barbieri para shows em Buenos Aires. Lá se aprimorou no berimbau, que já vinha experimentando. O instrumento, que deu ao grupo de Barbieri uma nota exótica, ganhou, nas mãos de Naná, nova reputação --além de uma sonoridade peculiar, que o percussionista atribui ao LSD.

"Foi bom tomar. Nunca tomei sozinho, mas em companhia de meus instrumentos." Gosta de contar que, nessas ocasiões, deixava a casa limpa e provida de alimentos e esperava o efeito bater, deixando os instrumentos por perto. "Quando a reação vinha, a primeira coisa que eu queria era tocar. Minha sensibilidade aflorava, e eu ficava concentrado só na música." Hoje, aprecia apenas um bom vinho ou uma boa cachaça, mas nunca antes de se apresentar.

Foi com Gato Barbieri que chegou a Nova York. Lá, morou por cerca de um ano com o cineasta Glauber Rocha, que, em tom jocoso, assim resumia o novo som que o pernambucano tirava do berimbau: "Você fodeu com os baianos".

Enquanto no loft convivia com colegas de cinema de Glauber, como Bertolucci e Jean-Luc Godard, fora dele o músico ganhava fama própria, tocando o que seu anfitrião chamava "jazz do Terceiro Mundo", no icônico Village Vanguard. A imprensa referia-se a Naná como "The Jungle Man", por seu exotismo e pela maneira surpreendente de tocar. Seus dois minutos de solo rendiam intermináveis aplausos e assobios.

Naná com Gato Barbieri consolidava, ao lado de Airto Moreira com Miles Davis, o sucesso da percussão brasileira pelo mundo. Em 1970, saiu em turnê com Barbieri pela Europa e resolveu ficar.

Escolheu Paris para fixar residência e gravar o primeiro de seus mais de 30 discos, "Africadeus" (1971), além de inúmeras trilhas sonoras para cinema, teatro e balé. A capital francesa foi a plataforma inicial para inúmeras parcerias que faria com músicos superlativos nas três décadas seguintes.

Com os multi-instrumentistas Don Cherry ("um dos maiores músicos que conheci, um conservatório ambulante") e Collin Walcott, formou um dos grupos pioneiros da "world music", o Codona, que existiu entre 1978 e 1982. Ao lado de Egberto Gismonti, gravou, em Oslo, em 1976, o mítico disco "Dança das Cabeças".

No Japão, para onde tinha ido em turnê com Gismonti, conheceu Pat Metheny, com quem tocou e gravou e que introduziu à MPB de Milton Nascimento e Toninho Horta. Fez três apresentações com Miles Davis, mas não quis participar do trabalho seguinte do trompetista --o disco era "Tutu" (1986). Optou por continuar tocando com Jack DeJohnette --que, diz, justificando a escolha, não é baterista: "É um músico que toca bateria".

Após viver fora do Brasil por quase metade de sua vida --além de cinco anos em Paris, passou 27 nos EUA--, há 13 anos voltou a fixar-se no Recife. Sua produtora e atual mulher, Patrícia, é também sua sobrinha. Com ela, teve sua segunda filha, Luz Morena, 13 --Jasmim Azul, 18, nasceu de outro relacionamento--, que conhece o parentesco entre os pais. Naná não vê nada disso como problema.

"Sou muito aberto", diz, frisando que, por isso, "muita gente" pensa que ele é gay ou bissexual. "Sou casado e nunca dei meu alterador de fava', mas não tenho nada contra. Adoro meu lado feminino e gosto muito de mulher."

Em 2007, um susto o fez passar a tocar, a cada show, com mais rigor e intensidade. Rogério Holanda, cirurgião cardiovascular e torácico, estava de plantão no hospital onde Naná deu entrada, com falta de ar. "Identificamos um quadro chamado pneumotórax hipertensivo. Uma bolha de ar preenche o espaço que é do pulmão, causando um mal-estar muito grande e podendo levar à morte em pouco tempo", diz o médico, que o salvou retirando um pedaço do pulmão lesionado.

Sua recuperação foi excelente: dois meses depois estava regendo, como tem feito nos últimos 12 Carnavais, o enorme grupo com mais de 500 batuqueiros oriundos de diferentes nações de maracatu.

Unir as nações, além de um trabalho diplomático, é muito técnico. Cada um desses grupos tem seu "baque" (batida), seu jeito de afinar o tambor e de levar o ritmo. Algumas nações são mais lentas, outras, mais aceleradas e, quando se misturam, e a emoção bate forte, o som, no dizer dos músicos, "asfra", dá errado. Naná sabe disso e dá o ajuste. É algo como reunir as escolas de samba e fazer com que toquem juntas, respeitando suas rixas e rivalidades. Ele assim faz.

A carreira consistente, pontuada por premiações estrangeiras --só Grammy, foram oito--, aplicou ao nome de Naná o epíteto "fenômeno". Ele recusa, dizendo que fama "é besteira". " Ela está só na cabeça, na cabeça de camarão".

A humildade é marca notória do músico; a ela o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), soma outra: "Naná é uma referência não só pelo seu talento mas pela sua generosidade". No último Carnaval, o músico recebeu das mãos de Campos a mais importante comenda estadual, a Medalha da Ordem do Mérito dos Guararapes, no grau Grã-Cruz. "Ele mudou a vida de muitos jovens pobres da periferia, que viram nele a oportunidade de crescer e desenvolver seus talentos."

Os adjetivos parecem não grudar em Naná. Sua receita de criatividade, diz, é pensar que nada sabe. E explica com o que chama de "as quatro sabedorias africanas".

"A primeira diz que a pessoa sabe, mas não sabe que sabe. Para essa pessoa, damos uma força. A segunda é a da pessoa que não sabe, mas sabe que não sabe. Ela é consciente, então não atrapalha. Essa nós abraçamos. A terceira sabedoria refere-se àquele que não sabe, mas acha e diz que sabe. Esse tipo se evita. A quarta sabedoria é a daquele que sabe, sabe que sabe, e nós o seguimos. Não concordo muito com isso; acho que cada vez mais, a gente sabe menos."

É hora de o Brasil saber de Naná Vasconcelos.