sábado, 15 de setembro de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...



A BRAGUILHA DO OUTRO LADO

Leonardo Dantas Silva

Maroquinhas não era feia, mas era pobre, e talvez por isso o casamento tardava.

Para precaver-se, resolveu aprender costura.

Naquele tempo, em Nazaré da Mata, não havia alfaiates e as roupas masculinas eram feitas por mulheres, penosamente a mão.

Não se tomavam medidas. O freguês trazia uma roupa velha e a costureira tirava-lhe o molde, parte por parte, em folhas de papel, depois do que cortava o pano novo pelo molde obtido. Maroquinhas era ligeira e em poucos anos conseguira juntar o dinheiro necessário para a máquina de costura. Sua oficina prosperou e admitiu auxiliares. Como de ordinário os fregueses engordam, os modelos de papel ficavam inutilizados.

Para contornar esse inconveniente, Maroquinhas decidiu tirar as medidas diretamente no freguês, com uma fita métrica. Essa tarefa, porém, não encontrou voluntárias, que teriam de fazer toques no corpo do empertigado cliente, em lugares perigosos para mãos femininas.

Maroquinhas teve então a original ideia de admitir como aprendiz um rapazinho, quase que só destinado a tirar medidas e fazer provas. Esse aprendiz seria o pioneiro dos alfaiates de Nazaré.

Bem-sucedida, mandou colocar Maroquinhas, em frente à sua casa, um grande anúncio: COSTUREIRA DE HOMEM. CALÇA; COLETE E PALETÓ.

Relegada no casamento, achou divertido estar sendo cortejada.

Os janotas da cidade eram nada mais que pelintras e estimulou Maroquinhas um desconfiado matuto, carente de palavras, mas de um belo sítio possuidor, que não sabendo prosear, fazia-lhe a corte com perus e galinhas gordas.

Casada logo ficou, mas continuou Maroquinhas como estava, e o marido que no mato morava, passou a viver na cidade. João Porrada, o consorte, chegava do campo ao anoitecer, e retornava na madrugada seguinte. Um marido cronologicamente ideal. Uma tarde João chegou mais cedo e ainda encontrou as moças tralhando.

Maroquinhas, nesse instante, ultimava um par de calças, pregando-lhes os botões.

– Quando João Porrada viu sua mulher costurando um botão atrás do outro na braguilha da calça e cortando a linha nos dentes, não se conteve e interveio, colérico: “isso não é serviço pra muié casada! Arrepare onde vosmicê tá incostando sua cara!”

Maroquinhas replicou, divertida: “Besteira, João, que a calça é nova. Vai te acostumando com a rua!”

João, emburrado, considerou um instante a mulher e as moças e, subitamente, disse: “Vou dar um jeito nisso!” – e saiu zangado porta afora.

Passados uns minutos, voltou João acompanhado de um pintor com uma escada. O homem subiu com um papel na mão, e logo abaixo do letreiro de Maroquinhas, escreveu:

P.S. FICA AVISADO OS FREGUESES QUE DE ÔJE EM VANTE A BRAGUILHA VAI SÊ NO ÔTO LADO. EM RIBA DO MUCUMBU.

E assim acabou com a até então crescente freguesia de Maroquinhas.

* Esta estória me foi contada pelo esquineiro Berlando Raposo.


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