segunda-feira, 18 de abril de 2011

UMA CONFISSÃO CORAJOSA





Tinha tomado a decisão, algum tempo atrás em minha vida, que evitaria falar, no que pudesse e, muito menos escrever, sobre o TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (TAB ), antigamente denominado de psicose maníaco-depressiva, e sobre seus ciclos (crises) alternadas de depressão e euforia. Doença mental da qual padeço.

Porém, os comentários ( muitos maldosos e até preconceituosos) acerca do meu comportamento, para alguns “estranho” “maluco” e “excêntrico”, me fez pensar que seria necessário esclarecer, de alguma forma, alguns aspectos do tal transtorno afetivo bipolar.

Vamos lá. Se você, caro leitor, embarcar comigo nesta jornada, faz-se necessário uma advertência: O transtorno afetivo bipolar não é uma viagem segura. É uma viagem caótica e imprevisível. Nunca se sabe qual é a próxima etapa.

Desvairado? Deprimido? Eufórico? Suicida? A vida de um BIPOLAR não é definida pelo tempo, mas pelo estado de espírito do momento. A bipolaridade cria nos seus portadores, sua própria realidade, vibrante e não convincente, a tal ponto que se torna quase impossível descobrir o que é ou não é realidade.

O transtorno afetivo bipolar não é uma doença como qualquer outra, mas, claro que ela precisa ser corretamente diagnosticada e tratada com medicamentos. É uma doença mental: sim é uma doença mental.

O cérebro produz de forma atípica alguns neurotransmissores fundamentais para nossa saúde mental. O motivo? Ainda não se sabe com precisão. É genético? Os estudiosos entendem que sim. Pode incapacitar a pessoa de exercer suas atividades rotineiras? Depende da marcha do processo doentio em curso.

Quem sofre de TAB é retardado? Não, muito pelo contrário, Napoleão Bonaparte, Virginia Wolf , Faukner, Hemingway, Marilyn Monroe, Cássia Kiss e Catarina Zeta Jones... foram e são pessoas acometidos pelo TAB, em variadas épocas.

Mas o pior de tudo é que: não há cura para o TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR (TAB), apenas controle. Tal qual uma diabete, que precisa ser controlada com injeções de insulina.

Por outro lado, existe ainda um grande preconceito - ou uma total ignorância - sobre o que é o TAB e seus efeitos e sintomas, os quais são devastadores.

Para se ter uma ideia, o portador de TAB pode torrar todo o seu patrimônio em incríveis três semanas, trabalhar por 48 horas seguidas sem se cansar, emprestar as cuecas para o pior dos amigos, ou, no outro extremo, ficar impossibilitado de trabalhar, parar de comer por dias e dias, não tomar banho por semanas, não falar com absolutamente ninguém, chorar até cansar e, falando um português bem claro, o paciente de TAB pode cometer suicídio. São altíssimos os cometimentos de suicídio por parte de indivíduos portadores do TAB.

Eu sofro de transtorno afetivo bipolar, desde muito tempo. Sou TAB, com ciclagens ultra rápidas (meu humor oscila (gira) sem descanso, como uma roda gigante, com breves intervalos de tempo.

O tratamento convencional nunca funcionou comigo. Tentei algumas combinações de medicamentos, e não foram poucos, mas foram pífios os resultados. Na maioria das vezes esses medicamentos me deixaram apenas grogue, zonzo... e mais nada. Isso sem falar nos terráveis efeitos colaterais de tratamentos médicos incorretos que não se adequam à minha doença mental.

Mas, continuo vivendo, pesar de tudo, na labuta, no batente do dia – a - dia . Matando um leão por dia, porque é FODA sentir-se cansado e gordo, fazer terapia, bancar tudo isso que custa tão caro, não ter a compreensão de vários “amigos” e familiares que acham que o transtorno bipolar inexiste, que o TAB não passa de mera frescura ou um capricho meu.

É FODA também sentir a solidão diária de quem precisa acordar forte todos os dias, porque uma crise pode me tirar o emprego. É FODA o desalento de perceber que só eu, e mais ninguém, realmente sabe o que é uma crise de depressão severa, quando a dor de um corte profundo não é nada comparada ao desespero de querer sair daquela crise, da desesperança e da vontade de pular do 10º andar.

Será isso tudo condição para escrever como Faulkners, Hemingways, sem falar de Virginia Woolf, Tolstoy, Graham Greene, Ana Cristina Cesar? Não, definitivamente não. Todos eles e gênios como Van Gogh e Mozart sofriam de TAB. Não: é necessário sentir uma profunda angústia por estar vivo para escrever sobre as dores de viver.

Mas, me recuso a viver escravo das minhas oscilações bruscas de humor, ou da minha estranha produção de neurotransmissores, para ver beleza no que é incerto e querer, sempre, dias mais densos.

E não me rendo. Prefiro tomar minhas aulas de otimismo todos os dias. Prefiro trabalhar no que eu gosto. Prefiro, mil vezes, amar as pessoas sem chocá-las com idas aos hospitais, com palavras mordazes e injustas típicas da fase maníaca.

Prefiro lutar e não morrer como Faulkner (que morreu bêbado) ou Hemingway e Virginia Woolf (que cometeram suicídio).

Continuo minha via crucis, mas aquela da coragem, para dizer “você não sabe nada, meu caro”. E nem por isso eu sinto rancor de você e de tantas outras pessoas que, ao ouvirem de minha boca "sou bipolar e não vivo sem medicação”, franzem a testa. Controlar o que é aparentemente incontrolável exige uma luta implacável e constante que, ao final, vale muito a pena. Posso dizer que entre mortos e feridos, aqui ainda estou, de pé, falando para vocês.

Dr. Fernnando Enéas de Souza - Defensor Público

2 comentários:

Rô... disse...

oi Fatita,
bom dia amiga...

muito lindo e esclarecedor esse texto...
nunca imaginei como é difícil a convivência com a própria doença eos preconceitos enfrentados...

obrigada por dividir tamanho a informação...

hoje tem um pedacinho de você no
Somente amor
beijinhos
linda segunda

Fatita Vieira disse...

Rô,

Sinceros agradecimentos por me citar no seu blog, que é lindo e um sucesso, e por me seguir.

Imagino como foi difícil mesmo o Dr. Fernando se expor desse jeito.

Acho louvável a atitude dele, inclusive porque esclarece aos leigos um pouco do drama pelo qual passa um portador de TAB.

Um grande beijo!