segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

COINCIDÊNCIA OU SORTE???

Como eu disse no ESTA SOU EU!, ali, à direita do blog, não sou escritora nem pretendo ser. Fiz este blog por curiosidade e ele passou um ano desativado, como podem ver pela data da primeira postagem e da seguinte.

Agora resolvi dar uma movimentada nele e vou escrever passagens da minha vida que me marcaram, emocionaram ou foram, simplesmente, engraçadas, no meu ponto de vista, claro, esperando que sejam para vocês também. Entre uma e outra baboseira que escrever, vou postando coisas de outras pessoas, desde que goste ou ache útil.

Hoje vou contar um caso que aconteceu comigo há alguns anos e que não sei classificar se foi coincidência ou sorte.

Digitadora
 Comecei a trabalhar na Sudene, na subsidiária Conesg, que não existe mais, como digitadora, mas cansei e fui ser recepcionista. Depois fui trabalhar como secretária, pois já estava fazendo o curso de Secretariado Executivo na Universidade Federal de Pernambuco.

Eu era secretária de diretoria e os diretores eram, hierarquicamente, um cargo logo abaixo do superintendente e do superintendente adjunto. Fui secretária do Diretor de Incentivos, que lidava com o dinheiro do Finor, que financiava os empreendimentos e depois fiquei em uma única diretoria, a de Infra-Estrutura, que mudou de nome algumas vezes, como também de diretor, só não de secretária, que era eu.

Recepcionista
Como é de conhecimento público, secretária fala com meio mundo de gente. Do contínuo aos diretores, superintendentes, presidentes, etc, etc, etc. Dr. Firmino Sampaio, que era o Chefe de Gabinete de Paulo Souto, que foi superintendente da Sudene e governador da Bahia, dizia que preferia falar com as secretárias que com os chefes, pois muitas vezes elas sabiam mais e resolviam mais que seus chefes. E ele tinha razão! Quando tirei as férias da secretária dele e me pedia para fazer uma ligação para algum tamporoso, ele falava primeiro com a secretária. Nunca teve a arrogância de muitos graduados de só querer falar com o chefe.

Pois bem, nesse cargo eu falava com vários deputados de todo o Nordeste e de MG também, já que o Norte daquele Estado também fazia parte da área de abrangência das ações da Sudene. Na época meu chefe era Marcelo Cabral, um cabra muito decente e correto, com quem eu tive o maior prazer de trabalhar. Ele era tão decente que enfrentou o General Nilton Rodrigues, um linha dura, que foi superintendente da Sudene, numa reunião com todos os diretores e ali mesmo, na frente de todo mundo, pediu demissão do cargo por não aceitar uma imposição do General. Grande Marcelo Cabral!

Secretária
 Em MG havia um deputado chamado Fernando Diniz, que ligava muito para falar com Marcelo Cabral para tratar dos projetos de infra-estrutura do seu Estado. Ele era muito educado e sempre falava comigo antes de falar com o chefe.

Nós, as secretárias da Sudene fizemos muitos cursos de reciclagem, assim como participamos de congressos, seminários, simpósios, etc, tudo para aprimorar o nosso desempenho na função. Muitos desses cursos aconteceram na Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, sediada em Brasília, no final da Asa Sul.  Eu fiz uns 3 ou 4 cursos lá.

Em 1993, em plena CPI para apurar o caso dos anões do orçamento, fui fazer um desses cursos na ENAP. E eu tinha muita vontade de ir até o Congresso para tentar assistir uma sessão plenária normal, assim como uma sessão da CPI. E fui.

Turma do Curso de Atualização para
Secretários, na ENAP, em 1993
Antes vou fazer um adendo. Desde a época que era recepcionista, conheci na Sudene o Deputado José Múcio Monteiro, que freqüentava as reuniões do Conselho Deliberativo, homem que considero belíssimo, além de simples, gentil e educado. Quando fui trabalhar como secretária da Diretoria de Incentivos, falava com ele com freqüência, pois, como todos os outros, ia atrás dos projetos sobre os quais tinha interesse. O diretor de plantão na época não gostava de falar com ele e o boato era que José Múcio não pagava a propina que ele pedia, então era escanteado. Eu nunca vi nada, por isso não posso confirmar ou desmentir tal história.

Mas voltemos à Brasília. Como só tinha aula na ENAP pela manhã, uma tarde fui até o Congresso tentar entrar no plenário para assistir uma sessão. Na portaria falei com um recepcionista e ele me disse que não seria possível, a não ser que eu conhecesse algum deputado que pudesse me introduzir no plenário. Lembrei imediatamente de José Múcio. Perguntei onde era o gabinete dele e o rapaz me informou que ficava no prédio anexo. Desisti de ir procurá-lo porque era em outro prédio. Quando já estava indo embora, voltei e perguntei por Fernando Diniz, aquele de MG e com quem eu falava sempre por telefone. Qual não foi a minha surpresa quando o rapaz me disse: “ele está passando atrás da senhora neste exato momento”. Quase não acreditei!

Foto do Plenário da Câmara, sem flash
para não chamar a atenção
Fui atrás dele e me apresentei como a secretária de Marcelo Cabral da Sudene, com quem ele falava sempre. Ele lembrou de mim na hora, então falei que estava querendo ver a sessão da Câmara e se ele podia me levar ao plenário. Sem problema, respondeu ele. E lá fui eu, junto com Fernando Diniz, passando pelo salão verde e entrando no plenário da Câmara, no local onde ficavam os assessores e convidados dos deputados e junto às cadeiras destinadas a eles, com seus famosos pianinhos. A única recomendação que me fez foi de que, se perguntassem quem eu era, dissesse que era assessora dele. Fiquei até o final da sessão e matei a minha curiosidade.

Mas as coincidências ou sorte, sei lá, não pararam por aí.

Na noite desse dia fui a um barzinho com a minha amiga Help, servidora da Sudene em Brasília e que estava me hospedando na casa dela. No barzinho encontramos José Eugênio Monteiro, que foi casado com uma ex-colega minha do curso de jornalismo, funcionário da Caixa, parceiro de João Nogueira na música Nó na madeira e um bebedor dos bons! Ficamos papeando com ele, que já estava um pouco alto e eis que chega Roberto Freire, que tinha sido paraninfo da minha turma de Secretariado Executivo e eu, que era da comissão de festa, fui a encarregada de ir fazer o convite a ele e de recepcioná-lo no dia da colação de grau.

Praça dos Três Poderes,
em frente ao Palácio do Planalto
Contei isso a José Eugênio. Ele, do alto dos seus vários whiskys, chamou Roberto, me apresentou, disse que ele foi meu paraninfo e perguntou se ele lembrava de mim. Roberto olhou, olhou e, para minha surpresa, confirmou que me conhecia e disse o detalhe de ter sido mesmo paraninfo da minha turma, onde tinha sido a colação de grau, etc, etc, etc. Conversamos todos mais um pouco e eu e a minha amiga fomos para casa.

No dia seguinte foi uma festa no curso quando contei que tinha assistido a uma sessão da Câmara. Me chamaram de afoita, metida, enxerida e coisas afins.

À tarde, resolvi voltar ao Congresso, dessa vez para tentar entrar na sessão da CPI dos anões do orçamento. Era querer demais, né não? Demais ou não, eu fui!

Assim que desci do ônibus, caiu o maior toró e eu fiquei quase encharcada. Mesmo assim fui atrás do meu objetivo. Como já sabia dos caminhos lá de dentro, fui direto a um banheiro para me enxugar um pouco e me recompor depois do toró. Fiz isso e saí do banheiro pensando no que faria para chegar à CPI e entrar.

Quando já estava do lado de fora e me encaminhando para os lados da sala da CPI, eis que surge na minha frente Roberto Freire! Quase não acreditei! Fui cumprimentá-lo cheia de más intenções.

No Panteão da Liberdade
 Perguntei se lembrava de mim da noite anterior e ele disse que sim. Aí, na maior cara-de-pau, disse a ele que queria ver a sessão da CPI dos anões. Sem problema, disse ele também. Sorte demais, né não? Saímos então para os lados da sala da CPI, não sem antes ele parar duzentas vezes para conversar com os colegas que encontrava (Genoíno, Mercadante, que eu acho um lindão também e outros que não lembro agora).

Entramos pela parte de trás da sala, onde ficava a imprensa e no exato momento em que Roberto Magalhães, Deputado por Pernambuco e relator da Comissão, apresentava um cheque que um dos envolvidos tinha recebido como propina. Freire me largou lá e saiu pela outra porta para resolver suas coisas. Permaneci na sala por umas 2 ou 3 horas ainda, junto aos jornalistas e bem quietinha, quase invisível, para não me expulsarem.

No outro dia foi outro fuzuê e mais brincadeiras dos colegas de curso por conta da minha audácia e da minha sorte.

Ao longo da minha vida amealhei muitas outras histórias de coincidências ou pura sorte, como essas. Algumas foram engraçadas, outras complicadas e umas poucas impublicáveis porque comprometem pessoas. Muitas me deixaram perplexa e sem acreditar como aquilo podia me acontecer, mas aconteceu...

domingo, 30 de janeiro de 2011

OUTRO PRESENTE DE DOMINGO...


 
Gente,

Eu gosto demais de Zeca Baleiro.

Ele fez show aqui em JP na sexta-feira, mas eu não fui porque sou comodista.

O show era "de grátis" e eu imaginei, como realmente foi, que ia dar um monte de gente. Resultado: fiquei em casa!

Mas... tenho dois CDs dele que eu adoro! Num deles tem a música que seque abaixo e que acho uma maravilha!

Deliciem-se!

Beijos,

Fatita
 
Zeca Baleiro


















FLOR DA PELE


Composição: Zeca Baleiro

Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar "flor na janela"
Me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final...

Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!

Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar "
flor na janela"
Me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Meu desejo se confunde
Com a vontade de nem ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final...

Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!

Oh, sim!
Eu estou tão cansado
Mas não prá dizer
Que não acredito
Mais em você
Eu não preciso
De muito dinheiro
Graças a Deus!
Mas vou tomar
Aquele velho navio

Aquele velho navio!
Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicído!

PRESENTE DE DOMINGO...



DIABA

Rabo pontudo,
Chifre carnudo,
Sou toda inferno!
Que venham os céus,
Que torre a terra!

Cravam-me os desejos
Na carne sem pejo,
Na boca,
No beijo.

Sou toda perdição:
O mal, a absolvição,
Pecado e redenção,
Hóstia maldita,
O vinho contaminado,
Paixão.

Teia feliz
sou aranha,
serpente,
escorpião,
rabisco teu corpo
com a mesma devassidão.

Quero mais,
Bem mais,
Quero tudo.
Tomo as rédeas da tua vontade,
Sou má,
Sou cruel,
Sou nociva,
Mas sou indispensável
Na tua cama
e na tua pele em chamas.

Lílian Maial

sábado, 29 de janeiro de 2011

PORQUE HOJE É SÁBADO...



O DIFUNTO NICOLAU


As velhas cochichavam:

- Credincruiz. Difunto se rindo é coisa do Demo!

Pois naquele velório ninguém atinava o motivo do risinho indecoroso, assim mei de ladinho sob o bigode do Nicolau. Houvesse ali um astuto, adivinhava seu semblante de puro contentamento e deleite.

Abatida estava Manuela ao lado do marido Ludgero. Passaram a noite em claro, velando o corpo do boiadeiro Nicolau Simão. Noutro canto da sala, chapéu no peito, todo contido em si, se via Joãozinho sem coragem de olhar nos olhos dela. Aquele conluio era segredo que levaria para o túmulo.

Na cozinha, as comadres diziam:

- Tadinha da Maneca, num é pra menos ficá abobada assim, o danado do home vei morrê aqui nessa sala. Dissero que tava isperano o Ludgero chegá do sirviço pra modi negociar umas cabeça de gado, quando istribuchô e caiu morto. Num fosse o Joãozin ta pru perto...

Ensimesmada Manuela lembrava como viera parar ali. Casou novinha para cumprir gosto do pai, com Ludgero, fazendeiro viúvo sem filhos e já bem erado. Não gostou nem desgostou. Não fora criada para escolher marido. O começo foi tudo novidade. A fazenda tinha terra que não acabava mais, muito gado e plantação. Com o passar dos anos ela se viu como um enfeite da casa; uma propriedade do marido ciumento.

Quando entrava na cozinha onde reinava a velha Sinhana preta só ouvia:

- Sinhô “Lugero” falô qui num quê muié dele isquentano barriga no fugão e isfriano na bica, não. Queria cuidar do jardim, mas aquele rapazinho acanhado lhe tirava das mãos as ferramentas:
- Patrão num qué a sinhora quemano nesse solão, sô “Lugero” falô pra modi eu num dexá, não. Iissu é sirviço meu.

Dezembros e janeiros e a chuva a malhar no telhado por dias a fio. O tempo se arrastava naquele fim de mundo. Debruçada na janela ela avistava o cafezal, onde as pessoas pareciam formigas trabalhando. Via Joãozinho a cuidar dos arredores da casa, era peão de confiança do seu marido, parecia que tava ali dia todo vigiando, contando seus passos, ou era só cisma sua?

Um dia, cedinho, depois que Ludgero saiu a campear um boi sumido, Manuela botou vestido novo que tinha dois botões teimosos em morar fora da casa revelando um tiquinho dos seus guardados e se abeirou do curral. Toda prosa trepou na cerca, caneco na mão; pediu que Joãzinho lhe desse leite da formosa, a melhor vaca do curral. O peão incabulado, rosto amoitado no chapéu de palha, custou a lhe cumprir a ordem. Foi nesse dia que Joãozinho sentiu num leve roçar de dedos o calor da mão dela. Escabreado, afastou depressa a sua. Aquilo foi brasa a lhe queimar mão, braço e todo corpo. Daí por diante madrugava para que a patroa não o achasse mais no curral, deixava cedinho o balde cheio na cozinha com a Sinhana preta e sumia no mundo a caçar serviço longe das vistas dela.

O fim do sossego de Joãozinho foi quando o boiadeiro Nicolau Simão danou a rodear a casa depois que o patrão saía. Piorou quando o viu entrando para um café a convite de dona Manuela, que se animou por demais com aquelas visitas.

João perdia noites de sono cismando: O que fazê? Falá das visita ao Sô Ludgero? Não, isso nunca! Ele dava cabo da vida dela. E se ela num devesse? Ele ia morrê de remorso.

De mãos atadas viu o outro se adonar aos poucos das horas ociosas da mulher do patrão, que se estendiam tarde adentro sempre que ele não estava em casa.

Criando coragem foi indagar a Sinhana preta na esperança de ouvir alguma coisa que o tirasse daquele desatino. Em vão; ela deu de ombros, pois estava com pressa a cozinhar uma canjica para o “Sô Nicolar” a mando da patroa.

Aconteceu numa tarde quando nem os passarinhos cantavam. Joãozinho ouviu um berreiro vindo da casa, largou a enxada no chão e correu para acudir. Entrou às pressas sem bater pra donde vinha o choro da patroa.

O que se passou naquele quarto o atormentou pela vida afora: Viu esparramado na cama, o corpo gordo e nu do boiadeiro, na mesinha um prato com vestígios de canjica. Olhou ao redor; lá estava ela como veio ao mundo. Por respeito, pelejou pra não olhar, mas suas vistas não obedeceram. No desespero Manuela não tivera pudor de cobrir-se. Seus olhos se cruzaram e falaram por si. Sentindo ciúme, vergonha e medo, João começou a ajuntar rapidamente as tralhas do morto. O tempo urgia. Tinham muita coisa a fazer...

Maria Mineira

Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/contos/2734839

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O MEU IRMÃO...


Faz 12 anos hoje, 25/01/2011, que o meu único irmão, Ademar ou Deco, como eu o chamava quando era pequena, suicidou-se ingerindo veneno de rato com leite condensado, que ele adorava.

Ele nasceu em 1954, exatos 1 ano e 9 meses depois de mim, em Curitiba, onde papai foi trabalhar no Banco Lar Brasileiro. Nós mudamos de João Pessoa para lá no final de 1953, ficamos por 3 anos e depois fomos para o Recife, onde moramos até 2007.

E eu acho que errei quando disse que me descobri ciumenta aos 23 anos. Que nada! Eu sou ciumenta desde que nasci. O meu irmão sofreu que só comigo quando era recém-nascido. Mamãe contava que via umas manchas roxas nas unhas dele, bem na parte da cutícula, mas não sabia o que era. Um dia ela entrou no quarto e me encontrou dentro do berço dele, em pé, mordendo os dedinhos do bichinho. Tudo isso porque as atenções agora estavam voltadas para ele, que tinha acabado de nascer e não mais para mim, que antes reinava sozinha. Ainda bem que mamãe descobriu e me vigiou para não repetir a tortura. Tadinho...

Ele era uma criança linda! Lourinho, lourinho, com olhos bem azuis, mais que os meus e tenho certeza que foi uma criança feliz. Estudava, brincava, tinha amiguinhos e brinquedos simples, como os da época e que as posses do meu pai permitiam comprar. E os meus pais sempre foram muito legais conosco. Nunca discriminaram um em favor do outro. Se papai ganhasse um bombom no trabalho, não comia e ainda comprava outro igual para levar um para cada filho. Estudávamos na mesma escola e sempre particulares, enquanto fazíamos o primário. No ginasial fomos para escolas públicas e só uma vez ele passou um ano sem estudar porque mamãe só conseguiu matrícula para mim, mas no ano seguinte ele voltou para a escola, coisa que nunca gostou.

O que ele gostava mesmo era de brincar e de desmontar e remontar seus brinquedos. E minhas bonecas, coitadas, viravam destroços, pois ele quebrava todas. E como sempre foi muito traquina, apanhou de papai muito mais do que eu. Depois que cresceu, essa curiosidade em saber como funcionavam as coisas e a facilidade de aprender, fez com que não pagasse por muitos serviços que ele mesmo fazia, inclusive consertos no carro.

Eu e ele com nosso avô Odilon
E nunca foi um menino brigão nem violento, pelo contrário. Era muito bobo, talvez porque não fosse muito alto para a idade e os meninos batiam nele. Lembro de um menino maior que ele, chamado Paulo, que morava na nossa rua e batia nele com frequência. Um dia papai chamou outro menino da rua e pagou a ele para bater nesse Paulo. Depois que levou a surra o pai foi tomar satisfações com o meu pai, mas a coisa ficou por isso mesmo e o melhor foi que nunca mais o filho dele bateu em Deco. O que papai fez não foi correto nem um bom exemplo para nós, mas defendeu seu filhote e até deu uma lição no agressor, que eu espero tenha servido para o resto da vida: quer bater? Então procure alguém do seu tamanho para fazer isso e não um menor e indefeso.

O medo que ele tinha de dentista era fora do comum. Me lembro dele chorando tanto, mas tanto toda vez que ia à nossa dentista, que era uma luta para cuidar dos seus dentes. Uma vez, quando adolescente, o dentista para o qual fomos desistiu de examiná-lo porque ele começou a suar, a ficar pálido e frio, tanto que o profissional teve medo que desmaiasse e mandou-o descer da cadeira. Quando rapaz teve que perder um pouco desse medo, pois se não tratasse os dentes e os perdesse, as moças não iam querer namorá-lo. Pelo menos foi um bom motivo para se cuidar.

Como não gostava de estudar, mamãe colocou-o para trabalhar aos 15 anos, com um despachante do Porto do Recife e ele se deu muito bem nesse trabalho. Era muito trabalhador e não enjeitava serviço. Também era muito inteligente e se tivesse estudado mais tinha conseguido um emprego melhor. Aprendeu inglês lidando com os gringos no porto e com as traduções que o chefe dele, que era tradutor, fazia e ele transcrevia na máquina datilográfica. Uma vez o vi conversando em inglês com o tripulante de um navio e se expressava tão bem que parecia ter estudado a língua. E mesmo só tendo terminado o ginasial, assimilou bem as lições, pois escrevia em bom português. Descobri isso quando li as cartas de despedida que deixou e outras que estavam no computador dele.


Eu, ele, os filhos e papai
 Nós brigávamos muito quando crianças e, adultos, não foi muito diferente. Nossos temperamentos e modo de pensar e agir eram bastante divergentes. Ele, apesar de ser uma pessoa boa, de gostar de ajudar os outros, não dava muita importância à família (nossos pais e eu). Era o jeito dele. Não era maldade, era displicência mesmo. Eu, ao contrário, sempre fui o esteio, a que estava lá para o que desse e viesse, chovesse ou fizesse sol. Essa característica dele me irritava profundamente e nós brigávamos. Eu queria que ele fosse mais atencioso com nossos pais e fosse mais presente nas questões familiares, mas não era assim. Talvez eu tivesse uma parcela de culpa nisso, já que sempre tomei para mim as grandes responsabilidades da família, mas alguém precisava ajudar meu pai com essas responsabilidades e eu era a mais velha.

Foi casado duas vezes e no primeiro casamento teve um casal de filhos, Michele e Thiago. O segundo casamento foi conturbado. Brigavam muito e quando ele fez a bobagem de morrer, estavam separados. Ele queria que ela voltasse, ela não quis e ele entrou em depressão e suicidou-se. Antes pediu que ela fosse vê-lo, exatamente no dia em que morreu. Não sei se queria matá-la também (encontramos uma seringa enorme, cheia de um líquido preto, junto a um colchonete, no chão de outro quarto) ou se era para que ela sentisse remorso por vê-lo morto. E foi ela quem o encontrou.

Os três filhos
Ele era muito namorador e no IML, quando fomos liberar o corpo, eu e a filha tivemos uma grande surpresa: apareceu uma mulher com outro filho dele. Pensem num sufoco! Minha sobrinha, coitada, que tinha 17 anos, quase morre também! A cena parecia tirada de uma piada dos antigos almanaques de remédios. E o pior, o menino, que foi assassinado na adolescência, por se meter com quem não devia, tinha o mesmo nome e idade (apenas 5 meses de diferença de um para o outro) do filho nascido no casamento. Parece mesmo uma piada de mau gosto, não?

Quando ele morreu, estávamos meio que brigados e eu não sabia que estava tão deprimido porque ele nunca foi de se abrir com a família. Os amigos sabiam, pois no dia 31 de dezembro já tinha tentado se matar, mas nenhum deles teve a coragem de chegar para alguém da família e contar. Essa primeira tentativa foi um pedido de ajuda, que ele não teve...

Os filhos à esquerda e os gêmeos da cunhada à direita
  Meu irmão era uma pessoa alegre e de bem com a vida, pelo menos assim parecia. Adorava fazer brincadeiras com as pessoas e gostava de conversar. Os filhos da cunhada, eram loucos por ele, pois os levava para passear e cuidava deles como se também fossem seus filhos. Por ele ser assim, jamais pude imaginar que faria algo desse tipo.

O suicídio dele me abalou muito, por anos, pois me culpava por não tê-lo ajudado. Hoje, passado todo esse tempo e depois de ter procurado ajuda terapêutica, não penso mais assim. Não me culpo mais. Eu e meu pai ainda sentimos muito a falta dele e o que fez, mas seguimos em frente, porque não nos restou mais nada a fazer.


Thiago e Michele com papai em 27/12/2010
 E os filhos também sentiram muito, principalmente o menino, filho do casamento e com quem eu convivia, que era louco, apaixonado pelo pai. No velório e no enterro ele não pronunciou uma única palavra e nem derramou uma lágrima sequer. A irmã chorou, gritou, mas ele não. Guardou para si toda a dor que estava sentindo. E nem consigo quantificar o tamanho dessa dor nem o que se passava na cabeça dele. Deve ter sido um desgosto grande demais saber que o pai não pensou nele (logo ele, que o amava tanto) e matou-se por causa de uma decepção amorosa. Isso foi muito para um garoto de 13 anos que nunca falou sobre o assunto. Só uma única vez, algum tempo depois e quando estava junto com o outro irmão, me perguntou o porquê do pai ter feito aquilo. Após ouvir as minhas singelas explicações, calou-se para sempre! Anos mais tarde, vimos com tristeza o que essa perda causou a ele, mas hoje já é um rapaz de 24 anos e, como o pai, é alegre, brincalhão e não enjeita trabalho. Também já é pai de uma menininha recém-nascida e segue tocando a vida. A irmã passou melhor pela tragédia e recuperou-se mais rápido e melhor que ele.

Infelizmente, quem comete um ato desses, pensa que é a solução para tudo e que assim vai deixar as pessoas em paz. Grande engano! As sequelas para os que ficam são grandes e, muitas vezes, difíceis ou até impossíveis de curar. Eu que o diga...

domingo, 23 de janeiro de 2011

PRESENTE DE DOMINGO...





















NÃO AGUENTO MAIS

Jorge Filó

Eu saí da Paraíba,
Minha terra tão brejeira,
Pra fazer publicidade
Na Veneza Brasileira
Onde a comunicação
É toda em língua estrangeira.

É uma ingrizia só
O jeito de se falar,
O que a gente não compreende,
Passa o tempo a perguntar
E assim como é que eu vou
Poder me comunicar?

É bastante abrir-se a boca
O “inglês” fala no centro,
Nessa Torre de Babel
Eu morro e não me concentro…
Até parece que estamos
De Nova Iorque pra dentro!

Lá naquele fim de mundo
Esse negócio tem vez
Porque quem vive por lá
O jeito é falar inglês,
Mas, se estamos no Brasil
O jeito é falar Português!

Por que complicar a guerra
Em vez de se esclarecer?
E se “folder” é um folheto
Por que assim não dizer?…
Pois quem me pedir um “folder”
Eu vou mandar se folder.

Roteiro é “story board”
Nesse vai e vem estrangeiro,
Parece até palavrão
Que se evita o tempo inteiro...
Porque seus filhos das putas,
A gente não diz roteiro?

Estão todos precisando
Dos cuidados do Pinel
Será feia a nossa língua?
É chato nosso papel?
Por que esse tal de “out door”
Substituir painel?

É desrespeito à memória
De Camões que foi purista
E esse massacre ao vernáculo
Não aguenta o repentista
Pois chamam “lay out-man”
O homem que é desenhista!

Matuto da Paraíba,
Aqui juro que não fico,
Onde até se tem vergonha
De um idioma tão rico...
Por que se chamar de “free-lancer”
Um sujeito que faz bico?

Publicidade de rádio
Apelidaram de “spot”
E tem outras besteiradas
Que não cabem num pacote.
Acho que acabou o tempo
De acabar esse fricote!

Por exemplo: “body type”
“Midia”, ”top”, “merchandising”,
“Checking list”, “past up”
(Que se diga de passagem)
“Briffing”, “Top de Marketing”,
Tudo isso é viadagem!

Já é hora de parar
Com esse festival grosso
Para que o nosso idioma
Saia do fundo do poço.
Pra isso eu faço esse “raff”,
Isto é –perdão ! – esboço!


Fonte: http://nopedaparede.blogspot.com/2011/01/mestres-da-poesia.html